quinta-feira, 6 de junho de 2013

OUTRO CASO DE CAPIAU: DAQUELE TRISTE CANTO

"Quem canta, seus males espanta"...acho que depende de quem canta, ou mesmo do canto. Mas a música que me refiro é aquela resultante do travamento das rodas de madeira nos eixos do antigo carro de boi. Diziam, quando eu era pequeno lá no interior de minhas Minas Gerais, que o carro vinha cantando... Um tradicional som que lembra um sofrido gemido: não sei se dos bois, puxando o peso; não sei se do carreiro (o homem
que guiava as juntas de boi), depois de um dia duro na lida da roça; não sei se da lembrança num inconsciente coletivo que, durante séculos no Brasil, a urna fúnebre  que motivava o cortejo era conduzida num carro de boi; ou quem sabe a somatória de tudo isso...
A história que quero contar nesse conto, diga-se no pleonasmo proposital, é a do "Seu Crioulo".  Um dos homens da minha formação de capiau. Ele era o carreiro de 4 juntas de boi: o trabalho desses bois carreiros era aração de terra pra plantio, ou transporte de produção até o paiol, ou celeiro, como os filmes reensinaram. Era um homem de 1,60 m de altura, franzino, com pouco cabelo, que rodeava em cachinhos a marca do chapéu de palha sempre enterrado na careca. Ao menear do ferrão, Crioulo dominava oito bois que, no somar de uma média de 20 arroubas cada boi, daria 2.400 quilos... perto de pouco mais de 50 quilos desse bravo carreiro... Direita, esquerda,  ré, abaixa a cabeça pra encaixar a canga... pulava no meio das juntas pra acertar alguma corda ou arreio... Eu pegava carona com essa coragem e pulava na mesa do carro, dotado de uma vara de guaxima, gostava de desenhar riscos na areia da estrada enquanto o carro andava, fazia uma linha... Não bastasse a coragem e paciência para modelar esses bois nas demandas rotineiras, Seu Crioulo era generoso: todos os dias varria o quintal pra minha mãe... mas de que quintal estou falando? Uma área a frente da casa de aproximadamente dois campos de futebol... a vassoura, ele quem fazia, do corte do cabo ao amarrar da arbusto usado pra montar vassouras lá na roça...Chegava umas 5 e meia da manhã... ia almoçar 9hs. Morava numa casinha afastada da nossa uns 500 metros. Às vezes ia com ele, sua família me acolhia como se filho fosse, tomava lugar à mesa... Quando minha mãe dava por minha falta, já estava voltando... barriguinha cheia. Generosidade de gente amorosa e muito simples. Até hoje. Perdi Seu Crioulo para a contagem dos anos há um tempo atrás...morreu com um pouco mais de 100 anos...quando ouço o canto do carro de boi sinto saudades e sou muito grato pelas linhas da nossa vida terem se cruzado.

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