sexta-feira, 20 de setembro de 2013

HISTÓRIAS DE CAPIAU: AQUELE TOMBO DA ÁRVORE

O "capiau" dos títulos sou eu... mas como assim, capiau? Num dos sinônimos: "o que vive no campo; sertanejo"... Talvez os mineiros se lembrem do Jeca Tatu, personagem dos anos 70, que emprestava suas muitas patologias por infecções protozoárias e afins para a profilaxia e a saúde. O nome capiau me faz lembrar também de outro Jeca interpretado pelo célebre ator e cineasta Amacio Mazzaropi. Talvez seja eu um pouco dos dois: doente pelas limitações do ser e pelas angústias do não ser, profilático, ainda que paliativamente, numa escuta e observação do outro, para que viver seja mais leve.  Para mim e para esse outro. Mas deixemos de elucubrações filosóficas e vamos ao conto: Eu devia ter uns 3 ou 4 anos de idade. Morávamos num sítio, ao norte da cidade de Resplendor, MG. Muitos filhos, minha mãe deixava com que um cuidasse do outro... e dava muito certo! Porém, de quando em vez, algumas peraltices eram temas de semanas entre nós. Três irmãs, em idade próxima, meu irmão, oito anos mais velho do que eu, e eu, o caçula.... Haviam os amigos do meu irmão, filhos de "seu Crioulo", o Paulo e o Lia eram os mais presentes. A ainda havia um sujeito, muito tranquilo de têmpera, por nome José, carinhosamente apelidado por todos de Zezinho Catuá. Esse tinha nobre papel: cuidava para que eu não me machucasse entre as peraltices de todos no Grande Quintal. Catuá tinha a mesma idade do meu irmão. Minha mãe o convidou pra morar conosco, e como sua família era muito pobre, consentiram com essa "adoção". Naquela tarde alguém teve a ideia de subir numa grande árvore que ficava nos fundos da casa, a uns 100 metros, talvez. Não me lembro se a motivação eram as frutas ou mesmo a competição de quem iria no mais alto galho. Catuá não subiu, nem eu, é claro. De repente ouviu o estalar de um galho acompanhado de um grito: vários galhos se quebrando e caindo junto daquele que teria chegado no galho mais alto. Os destemidos pagam o preço do risco. Quanto mais alto o galho, maior o tombo. Aqui, literalmente. Estirado ao chão, misturado em folhas e galhos, estava o Paulo, quieto. Todos desceram rapidamente a acudir o acidentado. Meio atônito, Catuá foi se aproximando e perguntou a todos que estavam em volta: "mo-mo-morreu?" Segundos após o Paulo se levantou. começamos a rir da funesta pergunta do Catoá. Até hoje, a gaga expressão traz risos aos que se lembram da experiencia...

segunda-feira, 24 de junho de 2013

HISTÓRIAS DE UM CAPIAU: DAQUELES VÍCIOS

Há quase quarenta anos atrás, longe das ideologias WOODSTOCK  ou da filosofia hippie dos anos 70, de apologias a Cannabis, num sítio próximo a um certo vilarejo, meu pai celebrava todos os dias pelas manhãs o seu tabagismo: um cigarro de palha... um só! confeccionado antes de 6hs da manhã, que o acompanhava durante o dia. Acendia... depois dois ou três tragos, apagava. Diversas vezes até o cair da tarde. Outro dia pensava eu nessa dependência, desse admirado tabagista da minha história e cheguei a conclusão que seu cigarro de palha aproximava-nos quase todos os dias. Eu acordava cedo. Acordava com ele... às vezes o acordava saindo do meu quarto correndo em direção ao dele,  pulando no meio dos dois ... minha mãe só abria o espaço pra minha acolhida acompanhado de um gemido ou outro. Meu pai despertava e ficávamos conversando sobre como iria ser o dia... quais seriam as demandas... nalguns desses planejamentos eu podia me incluir: gostava de ficar perto dele. Levantávamos os três, minha mãe ia cuidar do café: isso implicava em buscar a lenha e acender o fogão. Quase sempre meu pai se envolvia nesse paciente empreendimento pirotécnico. Colocar sabugos de milho associados a pequenos gravetos para um primeiro fogo... este acenderia as outras lascas... para um fogo quase o dia todo. Enquanto ocorria toda a dinâmica do café, meu pai me chamava num canto e me pedia que buscasse palhas de milho no paiol... fazia isso à parte, pois minha mãe não gostava que ele me envolvesse no processo... saia meio de fininho, caminhava até o paiol, uns cinquenta metros da cozinha e trazia correndo algumas palhas selecionadas. A esta altura já havia aprendido quais seriam as melhores palhas pra enrolar o cigarro. Após entregar o primeiro item da matéria prima, o acompanhava até a despensa, onde ficava um saco com fumo de rolo, enrolado feito uma corda. Um pedaço desse rolo era picotado e conduzido numa colher até a chapa do fogão à lenha: era pra secar o fumo, tipo uma desitratação, pra facilitar a queima na palha... e eu ali, quieto, obervando o investimento, a caminhada, o ir prum lado e para o outro em prol do cigarro de palha nosso de cada dia. Ficava de prontidão: "pega o canivete pra mim!" "fecha aquela porta ..." qualque coisa que me pedisse... era bom estar perto dele... então valia a pena pagar o preço... achava eu... acho. Meu pai pegava a palha e a media retangularmente. Assim a cortava. Aparava as pontas. Esfregava a faca sobre ela pra deixá-la mais sedosa. Depois a pinçava com o indicador e o polegar e segurava firme pra depositar o fumo. Enrolava bem, molhava a beiradinha pra fechar e apertar. Usava a caixa de fósforos pra ajustar a brasa recém acesa na ponta do cigarro... todo o processo era imitado por mim quando meu pai viajava, só que no lugar do fumo, colocava o cabelinho da boneca do milho maduro. Queimava bem e fazia muita fumaça... era uma forma de trazer meu pai pra casa... pra perto de mim. Uma forma de esquivar-me da angustia da saudade... que não tem remédio... nesse caso, o tabagismo do meu pai me aproximava dele. O Luiz Gonzaga (o Gonzagão) escreveu música com meus sentimentos. "Cendo um cigarro de vez em quando, pra esquecer de pra alembrar," ...
Meu pai parou de fumar uns 10 anos mais tarde... mas continuamos parceiros em outros "vícios" saudáveis...

terça-feira, 11 de junho de 2013

HISTÓRIAS DE CAPIAU: DAQUELAS BRIGAS DE GALO

Meu pai praticava o "galismo", isto é, colocava galos treinados pra brigar. Sem discutir a ética ou a legalidade, quero apenas contar que minha infancia esteve atrelada aos treinamentos galináceos e as lutas regadas a apostas desses bravos guerreiros, que na arena (chamado de tambor), dava seus golpes enquando fôlego tinham. Meu pai investia do seu tempo a este lazer esportivo, e não negava que esse tempo se misturasse a atenção que dava a mim. Fazia do treinamento dos galos, lúdicos momentos, resultando, não  raras vezes, gargalhadas de ambos... colocar o galo sobre um cabo de vassoura em horizontal, e puxá-lo pelo rabo pra que bata as asas e fortaleça a musculatura das coxas e asas era um desses exercícios divertidos de ver ... já com 12 anos, meu pai me desafiava a ajudá-lo nessas coisas... pra ficar perto dele, sucumbia, ao que antes era divertido de ver... um dia desses de treinamento, meu pai mandou que eu pegasse um galo na gaiola e trouxesse até o tambor, onde fazíamos os treinamentos, e disse enquanto eu caminhava em direção a gaiola:"cuidado que ele (o galo)! É meio arisco"... depois entendi que arisco é igual a BRAVO. Imitando meu pai, aproximei da gaiola e estalando os dedos, fui abrindo a taramenla da portinhola e levando a mão pra pegar o tal galo. Ele fez os movimentos de costume: arrepiar-se, descer com asa em direção aos pés, cacarejando curtamente "có-có-có" ... quando estava com a mão a uns 15 cm dele, o bicho soltou uma bicada de apoio e uma esporada na minha mão ... puxei instantaneamente a mão e gritei ao meu pai - "É bravo !", no que ele insistiu, ainda tentei umas duas vezes, agora puxando a mão antes dos golpes treinados e me safando de outras feridas. Meu pai veio caminhando lentamente, diante do barulho da minha lida de amador e da demora da chegada do galo.  Chegou com ar de especialista e enfiou a mão dentro da gaiola e o guerreiro de vontade forte desferiu o mesmo golpe que outrora havia me amedrontado... coitado do galo, não percebeu que mão tinha tinha mudado e foi parar na panela do almoço daquele sábado. Daí a piada dizer que um sujeito foi à rinha, e nunca havia apostado no tal esporte. Perguntou a alguém que julgou mais experiente, que galo era o bom , pra que ele apostasse: o branco ou preto? Ao que o então arguido, atento a briga, respondeu prontamente: o preto! Tão logo ao fazer a aposta, o galo preto tombou no centro do tambor morto com um golpe no pé do ouvido. "- Uai? O galo preto não era o bom?- Há sim! Era o bom... mas o marvado mermo, era o branco!"

quinta-feira, 6 de junho de 2013

OUTRO CASO DE CAPIAU: DAQUELE TRISTE CANTO

"Quem canta, seus males espanta"...acho que depende de quem canta, ou mesmo do canto. Mas a música que me refiro é aquela resultante do travamento das rodas de madeira nos eixos do antigo carro de boi. Diziam, quando eu era pequeno lá no interior de minhas Minas Gerais, que o carro vinha cantando... Um tradicional som que lembra um sofrido gemido: não sei se dos bois, puxando o peso; não sei se do carreiro (o homem
que guiava as juntas de boi), depois de um dia duro na lida da roça; não sei se da lembrança num inconsciente coletivo que, durante séculos no Brasil, a urna fúnebre  que motivava o cortejo era conduzida num carro de boi; ou quem sabe a somatória de tudo isso...
A história que quero contar nesse conto, diga-se no pleonasmo proposital, é a do "Seu Crioulo".  Um dos homens da minha formação de capiau. Ele era o carreiro de 4 juntas de boi: o trabalho desses bois carreiros era aração de terra pra plantio, ou transporte de produção até o paiol, ou celeiro, como os filmes reensinaram. Era um homem de 1,60 m de altura, franzino, com pouco cabelo, que rodeava em cachinhos a marca do chapéu de palha sempre enterrado na careca. Ao menear do ferrão, Crioulo dominava oito bois que, no somar de uma média de 20 arroubas cada boi, daria 2.400 quilos... perto de pouco mais de 50 quilos desse bravo carreiro... Direita, esquerda,  ré, abaixa a cabeça pra encaixar a canga... pulava no meio das juntas pra acertar alguma corda ou arreio... Eu pegava carona com essa coragem e pulava na mesa do carro, dotado de uma vara de guaxima, gostava de desenhar riscos na areia da estrada enquanto o carro andava, fazia uma linha... Não bastasse a coragem e paciência para modelar esses bois nas demandas rotineiras, Seu Crioulo era generoso: todos os dias varria o quintal pra minha mãe... mas de que quintal estou falando? Uma área a frente da casa de aproximadamente dois campos de futebol... a vassoura, ele quem fazia, do corte do cabo ao amarrar da arbusto usado pra montar vassouras lá na roça...Chegava umas 5 e meia da manhã... ia almoçar 9hs. Morava numa casinha afastada da nossa uns 500 metros. Às vezes ia com ele, sua família me acolhia como se filho fosse, tomava lugar à mesa... Quando minha mãe dava por minha falta, já estava voltando... barriguinha cheia. Generosidade de gente amorosa e muito simples. Até hoje. Perdi Seu Crioulo para a contagem dos anos há um tempo atrás...morreu com um pouco mais de 100 anos...quando ouço o canto do carro de boi sinto saudades e sou muito grato pelas linhas da nossa vida terem se cruzado.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

MAIS HISTÓRIAS DE CAPIAU: AQUELAS REUNIÕES

Lá pras Minas Gerais. Eram os primeiros anos da década de 70... talvez já houvesse sinais da cultura hippie, mas lá em casa não tinhamos TV. Lembro-me do meu pai ter comprado uma... não "pegava" o sinal, ainda que a antena fosse colocada num morro, há mais cem metros de casa: e foi mesmo! Ela só fazia chiar... e como era legal dizer que tinha uma TV na minha casa, e como era legal ligá-la pra ouvir a chieira. Minha mãe colocou uma de suas toalhinhas de crochê e um enfeite com flores sobre ela. Enjoamos da chieira.
O que era muito bom eram as  reuniões na cozinha, enorme, com uma mesa de oito cadeiras. O tampo dessa mesa eram pranchoes de madeira de lei. Reuniões culinárias nas manhãs em que minha mãe derramava um tacho de doce de leite fervente na mesa e ajudávamos a cortar os tabletes depois de esfriar. Minhas irmãs e eu. Reuniões de stand up comedy, onde meu pai contava seus causos e aventuras no cair da tarde, ao redor do fogão à lenha... essa tinha um público maior: primos, tios e tias, por vezes alguns funcionários que trabalhavam com meu pai...cuidando do gado, ou plantando coisas "a meia", como diziam.
Reuniões administrativas onde meu pai acertava as contas com o pessoal que trabalhava "a dia". Ficava olhando, quietinho, admirando a forma austera e paradoxalmente simples com que ele tratava dos subordinados. Às vezes fazia uma pausa, e numa xícara de café compartilhada, se vinculava numa coexistência ontológica, que o colocava  como um dos patrões preferidos da região, mesmo não sendo o que pagava maior valor pelo trabalho. Era o trato. Fino trato. Igual trato.
Reuniões que me ensinaram a fazer, a rir e a SER... saudades dessas reuniões...

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Histórias de Capiau

Esta semana minha filha caçula disse que gosta de "me ler" ... e disse isso depois de chegar de uma visita à um evento sobre Rubem Braga, um entusiasmante literário capixaba.

Que resposabilidade me traz esse prazer!

Sou mineiro, morava na "roça", como se dizia no interior de Minas Gerais.
O prazer estava sempre presente nas brincadeiras de menino capiau, pés descalços, camisa desabotoada, calção de time de futebol... longe dos programas de TV ou jogos eletrônicos.

O quintal da minha casa era extenso. Morava num sítio. A entrada da porteira era marcada por estrondosas mangueiras que coloriam o chão depois de uma chuva qualquer. Eram cinco mangueiras, com filhas doces, uma mais que a outra. Nesse quintal haviam outras frutas... mas sobre elas conto noutro conto.

Na época das chuvas as máquinas da Prefeitura acertavam as estradas cheias de lama, e para não voltarem até a cidade estacionavam no quintal da minha casa. Achava o máximo. Pra uma criança de três ou quatro anos, aquelas "patrolas" eram como os modernos transformers .

Os operadores das máquinas iam pra cidade e só voltavam noutro dia.

Ao cair da tarde, eu subia naquelas enormes máquinas, e, como se fossem exoesqueletos, me sentia o mais poderoso dos meninos. Vários câmbios na minha frente, mexia num e no outro, fantasiando o meu mundo infantil...

Quando estiava, as máquinas iam embora, mas minhas fantasias não. Havia um tipo de arbusto chamado mamona... aquele que tinha como fruto umas bolinhas e que a gente brincava de jogar um no outro... Então, eu pegava uma faca, cortava os troncos macios da mamona, vários deles, e me colocava diante desses tocos, que imediatamente se transformavam nos cambios dos "transformers".
Esta semana minha filha caçula disse que gosta de "me ler" ... e disse isso depois de chegar de uma visita à um evento sobre Rubem Braga, um entusiasmante literário capixaba.

Que resposabilidade me traz esse prazer!

Sou mineiro, morava na "roça", como se dizia no interior de Minas Gerais.
O prazer estava sempre presente nas brincadeiras de menino capiau, pés descalços, camisa desabotoada, calção de time de futebol... longe dos programas de TV ou jogos eletrônicos.

O quintal da minha casa era extenso. Morava num sítio. A entrada da porteira era marcada por estrondosas mangueiras que coloriam o chão depois de uma chuva qualquer. Eram cinco mangueiras, com filhas doces, uma mais que a outra. Nesse quintal haviam outras frutas... mas sobre elas conto noutro conto.

Na época das chuvas as máquinas da Prefeitura acertavam as estradas cheias de lama, e para não voltarem até a cidade estacionavam no quintal da minha casa. Achava o máximo. Pra uma criança de três ou quatro anos, aquelas "patrolas" eram como os modernos transformers .

Os operadores das máquinas iam pra cidade e só voltavam noutro dia.

Ao cair da tarde, eu subia naquelas enormes máquinas, e, como se fossem exoesqueletos, me sentia o mais poderoso dos meninos. Vários câmbios na minha frente, mexia num e no outro, fantasiando o meu mundo infantil...

Quando estiava, as máquinas iam embora, mas minhas fantasias não. Havia um tipo de arbusto chamado mamona... aquele que tinha como fruto umas bolinhas e que a gente brincava de jogar um no outro... Então, eu pegava uma faca, cortava os troncos macios da mamona, vários deles, e me
Não precisava das máquinas mais, bastava-me as inebriantes fantasias da infancia.

Até a próxima brincadeira!!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Jardinagem


Me descobri jardineiro com quase quarenta.
Jardinar é o verbo que libero quando mexo a terra!
Conjugar os jardins é colher cores e sabores...
É cheirar as fragrâncias e os amores...
As ternuras e as dores, que por vezes nos
promovem os espinhos...

Cecília Meireles escreveu sobre um jardim:
"No mistério do sem fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro:
e, no canteiro uma violeta.
E, sobre ela o dia inteiro,
entre o planeta e o sem fim,
a asa de uma borboleta."