segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Crônicas da Infância: daquele dia que aprendi a andar de bicicleta

Bem sei que algumas coisas que escrevo são catárticas: se estou muito: alegre ou triste, equilibra-me as emoções. Escrever me devolve a homeostase que preciso pra viver...
As memórias de infância e adolescência são deliciosos instrumentos para isso. É uma pena que os anos vão passando e, por vezes, esses anos vão roubando algumas dessas memórias.
Quero trazer a escrita de um dia muito especial para mim: o dia que aprendi a andar de bicicleta (com somente duas rodas).
Rodas fizeram parte da minha rotina muito cedo: meu primeiro velocípede (triciclo) ganhei quando tinha 3 pra 4 anos...
A bicicleta veio quanto eu tinha uns 6 anos. Ela tinha rodinhas auxiliares no eixo traseiro. E confiava nessa rodinha, não precisava me equilibrar...
O cenário da libertação das rodinhas era o sítio dos meus pais... na verdade, morávamos todos lá... nessa época, duas irmãs e meu irmão.
Estávamos na cozinha, lugar muito frequentado naquela época, o cômodo maior da casa. Fogão a lenha era aceso antes do sol raiar. O almoço saía por volta das 10h, e a comida ficava o dia todo no fogão, pois as visitas poderiam chegar a qualquer momento, não havia como avisar...
Disse pra minha mãe que eu iria andar de bicicleta no quintal: amplo espaço em torno da casa, a frente com 5 pés de mangas, que coloriam a entrada de nossa casa nos meses de novembro e dezembro... à direita um córrego banhava a propriedade. Aos fundos ficavam a cacimba, criações de porcos, galinhas, alguns animais de montaria... e ás vezes, as juntas de boi que eram usados para puxar o arado (ou mesmo o carro-de-boi) eram guardadas nesse pasto do fundo de casa... pra ficar mais rápido pegá-los... Havia ainda uma grande criação de galos de briga... meu pai gostava disso e na época não havia fiscalização (1974/ 75).
Mas voltemos a bicicleta...
Quando ainda na porta da cozinha, subi na bike de 4 rodinhas, pneus sem câmaras, meu pai disse : "vamos tirar essas rodinhas !!"
Senti um misto de alegria e temor com o desafio dele pra mim ! Fiquei ansioso em pensar que poderia decepcioná-lo em não conseguir... é assim mesmo, quando não conseguimos, achamos que nossos pais se decepcionam... e não é sempre assim...
Meu pai percebeu minha insegurança e o inusitado aconteceu: meu pai já estava com uma chave de boca pra tirar as rodas, quando colocou a chave ao lado da bicicleta, ali, ao lado da porta e disse pra mim: "vem comigo, Saulzinho ..." É , porque o Saul era ele... eu era o Saul pequeno... até hoje, lá em Resplendor sou o Saulzinho, principalmente para os amigos vivos do meu pai (ele partiu em 1994)...
Meu pai foi andando em direção à mangueiras adultas, enfileiradas à direita de quem saía ... antes de chegar a porteira, na última mangueira, alguns empregados deixavam suas bicicletas...
O Saulzão se abaixou pra conversar comigo e disse que equilibrar em bicicletas não era difícil... ele se levantou e, tomando posse de uma das bicicletas de adulto que ali estavam, subiu e andou de bicicleta !! Meu pai andou de bicicleta!! Nunca tinha visto isso ! Em quase seis anos de vida nunca tinha presenciado isto ! Não bastasse andar na bike, meu pai sentou no guidão e pedalou de costas ! Eu ria muito. Ainda não sei se de orgulho ou de nervoso. Ele era meu padrão! E ele anda de bicicleta de costas...
Acho que eu vou dar conta, pensei. Encorajado por ele, agora amparado, a segurança das rodinhas fora substituída pelas mãos do meu pai. Primeiros metros, ele corria ao meu lado, com uma mão no guidão, outra no selim (banco), com a velocidade, ele tirou a mão do guidão, mas continuou no banco... mas de repente, vi que tinha deixado meu pai pra trás... mas fiz isso com o consentimento e apoio dele... fiz isso mais vezes na vida... aos 21 saí  de casa pra estudar... a bicicletinha me levou pra longe... mas essas são outras histórias ...

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Cronicas da infância: aquela da primeira vez no mar

Sou mineiro. O mar estava a pouco mais de 100Km de onde nasci. O Espírito Santo é a praia mais próxima... E esse estado tinha de ter esse nome: porque o mar é muito de Deus.
O mar espanta, o mar consola, o mar nos traz a sensação a sensação de infinito... o mar é desafiante.
Mas voltemos aquela viagem de infância com expectativas de conhecer o mar...
Era anos 70, iríamos visitar meus avós, tinham mudado para o litoral capixaba em busca de melhor qualidade de vida: tomaram conhecimento das areias monazíticas, nas praias de Guarapari, a 50Km da Capital.
Eu tinha a promessa de conhecer o mar, já que numa outra visita, ficaram me devendo. Imagina? Fui na Grande Vitória e não fui na praia?
Agora, com os planos de "praiar" , lambia os beiços quando o trem da Estrada de Ferro Vitória a Minas (CVRD) chegava na beira da Baía de Vitória...e lambendo os beiços, claro que lambia um bocado de minério de ferro, pois a mesma estrada é usada até hoje para transportar minério das Minas Gerais para as Siderúrgicas no Município de Serra (ES). A gente ficava cinza de pó nessa viagem... Hoje existem vagões com ar condicionado... nos idos de 70 viajavam galinhas, papagaios e etc...
Chegamos a noite. Por mim, iria na praia naquela hora, nem esperaria o sol chegar.
Tive dificuldade de dormir, estava ansioso e pensando nas figuras que contemplava e apreciava uma grande obra do Criador.
No outro dia cedo mal podia esperar, meu café foi ligeiro, mas parecia que só estava assim: buscavam toalha, chapéu, e outras coisas para levar. Eu não queria levar nada! Eu queria buscar... buscar uma contemplação nunca dantes experimentada. Outras pessoas que haviam ido a praia me contaram. Agora eu teria meu relato, meu jeito... Eu iria buscar os cheiros que as páginas de revistas não traziam...
Não me lembro bem quem me acompanhou... acho que uma de minhas irmãs e o namorado...acho...
O grande momento: sai do carro devagar, cheirava a brisa com o cheiro de sal, pisava nas areias grossas do lugar, escutei de longe as batidas das ondas na praia, como se acariciasse as areias. Não entrei de uma vez. Fiquei medindo a grandeza daquele lugar, continuei devagar, a areia esfriou quando cheguei onde a água encharcava... fiquei ali, onde eram feitas espuminhas, sentia um monte de coisas dentro de mim: deslumbre, alegria, espanto e um pouco de medo... ele merecia meu respeito... entenderia melhor tudo isso, lendo depois "O velho e o mar" de Ernest M. Hemingway.
Muitos anos depois levaria minhas filhas a esta experiência: ver o mar... mas isso é outra história.