sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Re-começo

Por vezes me pego pensando no que é mais difícil na caminhada: o começo ou o re-começo.
Lembro de duas situações: minhas subidas ao Pico da Bandeira (foram três vezes - 1986/ 1999/ 2001) e uma viagem de quase 3 mil quilômetros de moto (2015)...
Em cada parada da subida, repensar, ao levantar, se continuaria ou não... o recomeço. Avanço ao certo de um enfado descomunal de cansaço e dores, com a compensação de uma visão de 2.892 m acima do mar. Dores espalhadas de um frio abaixo de zero, com um vento gelado somado ao ar rarefeito, que dificultava respirar... A primeira vez foi mais fácil: a adolescência, a curiosidade de não ter ido, a aventura, a adrenalina do desafio... a segunda vez, já sabia das dores e dificuldades... que se repetiriam... mas aí que está a coisa: eu não era o mesmo! As experiências e os anos vão nos ensinando a lidar com as repetições das dores... reagimos diferente. Já sabemos onde deve estar as esquivas, e também onde será mais fácil pisar...
Quando fiz a primeira parada de moto, 130 Km, na cidade de São José do Rio Preto (indo pra Vitória), pensei: o que eu quero fazer? Me faltam 1.300 Km... pensei eu... tirei uma foto. Segui viagem. Foram 6 dias pilotando, ida e volta. Na primeira noite as dores espalhadas pelo corpo indicou a primeira falha de planejamento: os analgésicos. Dali pra frente eram duas substâncias a cada 6h. Cada parada, principalmente, nos primeiros 600 Km da ida, precisava de re-começo.
É difícil recomeçar. Haviam momentos em que queria mesmo era parar a vida e deitar, deixando o tempo passar e as dores sumirem... difícil recomeçar com dores... não há analgésicos pra todas elas, não é ? Levantar e caminhar significava confrontar as dores para as quais não havia analgesia, senão atravessar todo o caminho proposto... e voltar ... há , voltar...
Tanto o pico da bandeira, 9 Km a pé de subida, quanto a viagem de moto, trouxeram experiências sensitivas surreais: visão da Serra da Canastra (Capitólio-MG) e enquanto subia o pico, percebia a mudança louca de uma referência: antes do pico, olhava pra cima e via, entre as nuvens, o azul do céu... lá de cima, olha-se pra baixo, e entre as nuvens, vê-se o verde das matas (Parque do Caparaó - MG)... E os cheiros ? ah, como amo os cheiros... cheiro de mata, cheiro de estrada, cheiro de liberdade...
Prefere parar ? Melhor não arriscar ? A vida é sua, ninguém deve te julgar... mas perderá ! Algumas experiências não serão suas... A verdade é que vai cansar muito!! Mas julgue o que quer perder. Todas as decisões que tomamos, perdemos e ganhamos.

sábado, 11 de agosto de 2018

Visão do "Pai"

Não existem manuais de como ser pai. Talvez autores possam ajudar no comportamento adequado para com os filho(a)s; mas isso não é ser pai, porque somos a partir dos olhos dos filhos. O meu pai, é o que eu o vi ser, o que eu decidi ver.
Nas décadas em que nasceram meus irmãos mais velhos era importante ver o pai como austero, autoritário e bravo. Minha mãe construiu essa imagem dele... como cheguei por último, ele tinha mais de 40, e o meu irmão que era o caçula tinha 8 anos, fiquei distante dessa imagem construída. Não sei se minha mãe já havia se cansado ou eu mesmo que não "peguei" a idéia de bravo... mas me lembro um dia em que estávamos todos na cozinha: Era um cômodo grande, o maior da casa. Haviam duas janelas. O fogão a lenha estava ao lado de uma das janelas. Uma mesa com 10 cadeiras. Estávamos todos ali brincando e conversando: Três irmãs, um irmão e mais um rapazinho (Zé Catoá) que regulava idade com meu irmão, ele era um tipo de pajem pra mim. Minha mãe gerenciava a todos nesse ambiente.

Quando se ouviu o barulho do jeep indicando a chegada do pai, foi como se tivesse soado um tipo de alarme: minhas irmãs correram para o quarto e meu irmão, com o Catoá, correram para o paiol, a simularem que estavam quebrando milho, ou algo do tipo "produtivo"... eu, com 5 anos, aguardei ansiosamente o carro ser estacionado na garagem, e fui correndo recebê-lo... naquele dia, especialmente, nem sei porque, ele trouxe um saco de balas, que me entregou, depois de erguer-me em seu colo. Sua doçura e meiguice seria marcada em minha memória por essas balas e o colo...

Há, e o colo de pai empodera. Faz com que a visão fique alta... bem alta. E no colo dele podemos mais... muito mais.

Mais tarde entendi que esse pai seria finito... um pouco mais tarde vi sua finitude na fragilidade de saúde... o perdi antes que eu fizesse 26 anos... eu havia descoberto a pouco tempo que era pai também.

Bastou-me achar o colo de um outro PAI. O Eterno sempre me oferece esse colo maior: acolhe, consola, amplia a visão, alarga os horizontes, e encoraja a viver ! Descubra essa adorável adoção de Deus!

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

TÔ COM SAUDADE DELE


por Marcos Inhauser

Viajando, parei em um posto de gasolina para tomar um café. Era bem cedo e ali estávamos vários para tomar o café da manhã. A pessoa que me atendeu estava fazendo o meu com leite quando uma outra atendente, bem mais jovem, dela se acercou e perguntou se ela tinha visto ultimamente um senhor que costumava passar com regularidade.
A que estava me atendendo, pediu mais detalhes sobre quem ela estava falando. A mais jovem disse que era o “senhorzinho” que a chamava de “minha linda” e que, quando ia embora, sempre dizia; “ainda caso com você”. A mais velha disse que há algum tempo não o via. A outra perguntou: “será que ele está enfermo?”. Pode ser, mas também pode ser que tenha morrido. Ele era já bastante idoso.
Olhei para a mais nova e percebi que seus olhos marejaram. Ela se emocionou. “Não pode ser, ele era tão alegre”. A outra, mais velha respondeu que mesmo as pessoas mais alegres também morrem.
Senti que a mais jovem estava bastante emocionada com a possibilidade de que o “senhorzinho” tivesse morrido. “Eu sabia que ele dizia que ia casar comigo e que isto era brincadeira dele, mas aquilo me fazia muito bem. Saber que havia alguém que me dava atenção, me elogiava, e que fazia questão que eu o servisse.”
Ela deu tempo. Respirou fundo. E voltou a falar: “sinto falta dele, sinto falta dele dizendo minha linda e sair dizendo que um dia iria se casar comigo”. Dito isto, ela entrou na cozinha. Não duvido que tenha ido ao banheiro curtir suas lágrimas e sentimentos.
Eu fiquei ali parado pensando no que havia ouvido e visto. Imaginei que, talvez, houvesse quem o tivesse ouvido dizendo “minha linda” para a jovem, ou “ainda me caso com você” e tenha dito: “velho safado”. 
Saí dali com lágrimas nos olhos. Cheguei ao meu destino com a coisa rodando na minha cabeça e refletindo no poder que a atenção tem de dar sentido à vida das pessoas, o como o elogio pode criar vínculos inimagináveis. Mais tarde, quando conversava com uma pessoa que tem problemas de relacionamento com sua equipe, contei a ele o que tinha presenciado. Senti que a coisa bateu forte nele. Acostumado a ser um sujeito extremamente racional e frio, vi seus olhos, tal qual os da jovem, marejarem.
Vivemos dias em que pouco tempo temos para prestar atenção nas pessoas, não nos arriscamos a elogiar quem nos serve, a dizer “minha linda”. Fomos criados para estar em relação com os outros, para amar o próximo como se fôssemos nós mesmos, para dar alegria ao outro. Acho que uma das missões mais sublimes da vida é plantar sorrisos na face das pessoas com as quais nos relacionamos.
Podemos fazer isto sorrindo, elogiando ou brincando. O humor é uma das formas mais sublimes que o ser humano tem para tornar a vida mais alegre, leve e prazerosa. Rir, sorrir, fazer sorrir e rir são o exercício do divino em nós. Na Idade Média se discutia e se digladiava sobre o tema do riso em Jesus. Havia os que defendiam que Ele, sim, riu, e outros diziam que, por ser o Filho de Deus, nunca teria sorrido.
Eu, de minha parte, acho que Deus dá gargalhadas com algumas coisas que fazemos ou dizemos e que Ele está no meio dos que se reúnem e dão boas risadas. Acho que, quando o “senhorzinho” brincava com a jovem, Deus dava seus sorrisos.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Vínculos, amizades e tolerâncias

A família genética são aqueles que não escolhemos... simplesmente são. É o meu pai! É a minha mãe! são meus irmãos ! E se saímos desse primeiro círculos, já nos tornamos mais seletos: podem ser primos, mas não necessariamente amigos. E que bom que alguns o são...
Mas as amizades, há, as amizades !! Os amigos são a família que escolhemos ter... são os vínculos por adoção... o apego pelo que se tem afinidades, o afeto decidido.
Tenho tantas boas memórias de excelentes amigos... os da infância então... huuum !! Esses tem cheirinho gostoso de Resplendor: cheiro da escola, cheiro de caderno novo, cheiro de estojo de lápis (aquele de madeira). Vê-los novamente é sentir cheiro de festa junina, cheiro de recreio, de merenda (leite com chocolate numa caneca de alumínio que esquentava demais), cheiro das aulas de artes.
Mês passado, numa tarde de sábado, chegava a Resplendor (minha cidade natal), de moto, para mais um dos nossos maravilhosos encontros (consegui estar em 3 deles)... Enquanto entrava na cidade, essas memórias olfativas ajudavam-me a catalizar meu desconsertante prazer de estar ali... de chegar aonde nunca parti... saí de lá ... mas "lá" nunca saiu de mim. Mas desse sábado, escrevo depois.
Alguns dias antes do encontro, revi um desses amigos que decidimos que se torne família. Um dos que já protagonizou alguns dos meus escritos... esse amigo é desses que agenda com ele é serotonina pura, é riso constante, é alegria demais... Aliás, estar com esses amigos é antidepressivo na veia !!
Bom, ao revê-lo, me trouxe uma história que não me lembrava mais...
Um dia o convidei pra ir até ao clube da cidade, onde haviam 3 piscinas: a grande, de adultos; a média; e uma "pequena", de crianças... essa última, embora funda, ficava cheia até a altura de 50 cm , aproximadamente.
Chegamos lá, e tratei de apresentar imediatamente as piscinas pra ele... Tínhamos uns 7 anos de idade... ele, com cara de espanto, comentava sobre o tamanho das piscinas...
_ Vamos pular ? disse eu, referindo-me à piscina média e apontando em direção à ela.
_ Não sei se devo... é que não sei nadar ... respondeu-se ele, receoso.
_ Há, você ainda não aprendeu a nadar?
Antes que o amigo pudesse confirmar sua ignorância de movimentos hidrostática, empurrei-o para dentro de uma das piscinas...
O camarada se debatia desesperado, gritava socorro, e sacudia o corpo de um lado pro outro... alguns segundos depois, eu, assentado nessa piscina e rindo muito dele, tranquilizei-o e disse:
_ Fica em pé, ôô!! Aí onde você está é raso...
Ele, meio quadrado e sem graça, meio com raiva e meio agradecido... ficou em pé... Depois aprendeu a nadar fácil... Sou grato a Deus por esse amigo. Sempre foi. Nunca deixou de ser. Ele me faz bem em existir.
Você talvez me pergunte: mas você o o considerava amigo e faz isso com o cara ?
Se fosse inimigo, empurrava na piscina dos adultos, né não ?