sábado, 22 de junho de 2019

Minha Religiao

por Fabrício Cunha

MINHA RELIGIÃO
Esses dias eu fui numa festa. Um monte de gente comendo, falando alto, dançando, sorrindo. Num canto, uma senhora carrancuda. Perguntei ao amigo “quem é?”, “é minha mãe”, respondeu. E por que tá triste? Não tá triste, tá irritada e nervosa. Por quê? Porque é crente e estamos tocando músicas não cristãs na festa.
Que merda essa religião que castra o corpo, que enrijece a alma, enruga o rosto e recrudesce o espírito. E não só o de seus adeptos, mas o de todos que se submetem mesmo que como alvo desse olhar austero.
Esses dias vi um programa em que um hare krishna passava uma semana na casa de uma família bem humilde e católica. Ele infernizou a casa em sete dias. Queria impor seus ritos e uma liturgia que contemplasse mais as suas necessidades religiosas do que a possibilidade de uma relação alegre entre diferentes. Lá pelo terceiro dia, as crianças da casa, principal aferidor de saúde emocional e alegria de um ambiente, já não aguentavam mais o sacerdote laranja.
Que merda essa religião que impõe ritos e liturgias que mais nos abstraem da vida e das relações do que nos projetam para o mundo e para os outros, oferecendo uma espiritualidade sadia.
Esses dias uma menina evangélica foi agredida na escola porque tinha o cabelo comprido. Ela só tinha 12 anos e teve que mudar de escola e cidade por conta da hostilidade.
Esses dias foi uma outra menina de 11 anos, agredida a pedradas ao sair de um encontro do candomblé.
Outro dia foi uma menina de 11 anos, perseguida por uma freira num colégio por não saber rezar. Ficou sem a refeição por dias a fio, até, pela dor da fome, ter a coragem de contar para a mãe o que estava acontecendo.
As três poderiam ser amigas, confidentes, terem os mesmos sonhos e desejos castrados pelo medo de ser o que, talvez, nem saibam o quê.
Que merda essa não religião que não tolera a religião.
Que merda essa religião que desrespeita o outro e o agride por ter outra religião.
Que merda essa religião que não tolera a ausência da religião.
Em todas as circunstâncias a religião ou a falta dela são o problema aparente. Mas religião é coisa, é fenômeno social que pressupõe uma divindade, um código, um culto ou liturgia e adeptos. E, nessa equação, a única coisa que podemos analisar a avaliar com alguma perspectiva menos subjetiva são os adeptos, as pessoas. E, de forma muito superficial e simples, minha conclusão é óbvia: nosso problema são as pessoas, o que deixam que a religião faça com elas, o que fazem com a religião, o que se tornam sob essa influência e o que fazem consigo mesmas, com a vida e, sobretudo, com os outros à luz de sua religião.
E, nesse caso, religião não é tudo igual não, porque as pessoas não são iguais umas às outras. E, como vivemos numa sociedade selfie service de escolhas pessoais e de indivíduos autocentrados, aceito escolher a minha própria religião.
Minha religião é minha turma.
Não nos ofendemos com o que fez o Charlie Hebdo e não foi porque não somos muçulmanos, mas porque nossos símbolos são menos sacros que nossos ideais. Por esse mesmo motivo, não nos ofendemos com a transexual vestida de Jesus e “pregada” numa cruz na Parada Gay. Nossos símbolos nos remetem a algo maior do que eles próprios e, por isso, podem ser usados com o mesmo fim por outras pessoas.
Minha turma é brava, mas também é doce. Sabe fazer a vida gritar sem precisar levantar o tom de voz. Nossa causa vocifera, mas nós falamos serenamente baixo.
Priorizamos as pessoas em detrimento das estruturas, dos códigos e das fórmulas; as relações, diante dos projetos e as pequenas coisas face aos grandes empreendimentos.
Minha turma tem gente de várias religiões, mas com uma mesma bandeira, a de amar as gentes e buscar estruturas que as favoreçam, especialmente aos mais pobres, excluídos e marginalizados de toda ordem.
Minha religião é bonita. Tem muitas cores, muitas músicas, muitos ritmos, danças e vestimentas. Alguns se reúnem em templos, outros em casas, salões, quintais, parques, teatros, bares, onde o lugar é sempre menos importante do que “o que” se faz e o “com quem” se faz.
Minha turma respeita os outros, suas dores, suas dificuldades, suas lutas e celebra seus avanços, seu crescimento e sua autonomia. Não vende culpa, não comercializa o sagrado, não se aproveita das fraquezas, não requer obediência cega, não manipula e não é manipulável.
Minha religião dá muitos nomes ao mesmo Deus e procura expressá-lo de diversas formas, pela literatura, pela música, pelo serviço, pela batalha cotidiana por um mundo melhor e principalmente pelo modo como trata a vida e os outros.
Minha religião é minha turma.
Meu Deus é nosso.
Minha liturgia são as relações.
Minha espiritualidade é a vida.
Minha igreja são os outros.

segunda-feira, 18 de março de 2019

Não há nada que se possa fazer quando o outro não quer mais ficar

Não há nada que se possa fazer quando o outro não quer mais ficar


Sempre que alguém sai de nossas vidas por conta própria, temos a sensação de que poderíamos ter feito alguma coisa para impedi-lo. Ficamos nos questionando se não poderíamos ter tentado mais um pouco, se não deveríamos ter feito isso ou aquilo, se deveríamos ter agido dessa ou daquela forma. E então a gente carrega um monte de peso que, muitas vezes, nem é nosso, tampouco deveria passar pela nossa mente.
A verdade é que não sabemos lidar direito com as perdas e com os fracassos, uma vez que queremos sempre vencer, na vida em tudo o que dela faz parte, porque é assim que somos ensinados desde sempre. Inundados pelos finais felizes folhetinescos e pela cultura do “seja um vencedor”, pouco refletimos acerca do que pode vir a não dar certo em nossa jornada, embora tantas e tantas coisas não deem certo para ninguém.
Assim, quando nos deparamos com os nãos que batem à nossa porta, sentimo-nos totalmente desolados, como se não houvesse mais nenhuma opção no mundo a não ser aquela que não vingou. Parece que ninguém se lembra de que as pessoas vão embora, muitos planos escorrem água abaixo, empregos não são eternos, e por aí vai. A gente quer ficar com tudo, com todos, mas a realidade da vida não chega nem perto disso.
Fato é que ninguém é obrigado a gostar de ninguém para sempre, simplesmente porque ninguém é igual todos os dias, por uma vida inteira. As pessoas vão se moldando, à medida que o tempo passa e conforme digerem aquilo que lhes acontece. Aquele indivíduo de hoje muito provavelmente não será o mesmo daqui a algum tempo, pois nada nem ninguém permanecem exatamente iguais. E, nesse compasso, pode haver descompasso entre os envolvidos.
Muito provavelmente, quando o outro decide partir, é porque aquela ideia já foi maturada dentro dele há tempos – ninguém acorda e, de repente, decide não querer mais. Quando o rompimento vem à tona, todos os indícios de que aquilo seria inevitável já foram dados, porém, uma das partes simplesmente os ignorou o tempo todo. E, assim que o outro decide partir, nada mais o mantém – nada.
Se fizemos o nosso melhor e partilhamos as verdades que nos importavam, não há o que lamentar. Se erramos e sentimos que provocamos a partida alheia, cabe-nos aprender a não voltar a repetir os erros, quando o próximo amor chegar. Embora seja complicado, quanto menos culpa sentirmos, mais aptos estaremos para abraçar tudo de novo que sempre virá em nossa direção. E sempre virá.