quarta-feira, 2 de março de 2022

Morte: a minha, a sua e a deles

 Morte: a minha, a sua e a deles

Isso mesmo! Ela é nossa! Sem que nos apossemos dela, sem que ela esteja em nossas agendas, sem sequer que a convidemos a fazer parte da nossa história, torna-se a presença mais certa, mais garantida, mais invasiva dos nossos dias.
Longe de um tratado tanatológico, quero discorrer apenas para ajudar algumas pessoas em luto. Gente que eu amo, e acabo por me enlutar junto.
Vivi uma entranha relação com a morte em minha formação. Tinha pouco mais de 2 anos de idade quando minha irmã primogênita enviuvou-se de seu primeiro marido... claro que não tenho lembranças disso, mas não tenho dúvidas que a energia que perpassava nas relações familiares em que eu estava inserido atravessou também minha existência. Passou a fazer parte de mim. Alguns anos depois essa perda passou a ser um segredo na família: não sei se pela linda chegada do marido (um irmão mais velho pra mim) que seria companheiro até aos dias de hoje, ou se pela forma estranha da morte...
É, a morte menos agressiva é aquela que chega e nos dá tempo de despedir ! De preferência, leva aqueles que estão de "hora extra" , longevos, com diagnóstico crônico, temos o alívio de dizer : "descansou"...
Nasci "orfão" de vó materna: a conheci pelos olhos de meus pais. Na infância conheci pessoas que aceitavam encomendar a morte de outros, aprendi que matavam gente ruim... faziam por dinheiro e, as vezes, até por amizade. Via nessa fase um paradoxo, algumas dessas pessoas eram tão amáveis e queridas... Na adolescencia, amarguei a morte dos meus avós paternos, e depois o avô materno... parece que os vovôs e as vovós estão na cabeça da fila... se ninguém furar essa fila, são eles que primeiro perdemos... depois, já casado, perdi meu pai... me senti órfão tão jovem... sou o caçula... essa é a desvantagem dos caçulas... vivem menos com os pais...
Perdi minha mãe há 10 anos... e ela é tão viva em mim... O meu pai também... vivo, inclusive, para aparecer nos meus sonhos...
E como uma cereja num bolo confeitado, existe o fato do meu ofício me levar pra velórios de gente que nem conheço... são amados de quem amo, de quem cuido. Às vezes até de gente que não conheci ninguém... E nenhuma das vezes que experimento essa difícil tarefa, deixo de sofrer.
Sofro por acompanhar o definhamento da vida, ao ver minimizada as energias, a beleza, o sorriso, o corpo... e por aí vai...
No entanto, a morte que nos viola, que nos transgride, que estupra a alma, é aquela que nos separa de gente jovem ou daqueles que ainda tínhamos agenda. Dessa forma, é surreal sepultar um bebê, um adolescente, um jovem com menos de 30 anos, alguém que se aproximava dos 50... busca-se até uma resposta espiritual para uma injusta separação, há quem diga que os que foram fora do tempo ficarão ainda nesse dimensão, uma missão ainda os espera.
Respeito esse pensar, no entanto, meu texto sagrado me faz pensar diferente. Há uma morte que nos faz lembrar uma ruptura com o Eterno. O Criador do tempo e Senhor dele colocou um dispositivo de desejo de não morrer, e experimentar essa morte é nos espelhar constantemente. É ver a nossa própria finitude no outro.
Quando a morte nos separa de quem amamos, então o viés do sofrimento é o desagendamento com o que morreu. É não ter projetos com ele... é não tomar mais cafés juntos. É não poder pedir perdão mais daquilo que guardava para hora oportuna.
Um sábio escreveu no Eclesiastes (Bíblia) que a hora de um velório é melhor que a hora das festas...
Não entendo a morte, difícil é aceita-la, meio louco é a fala do sábio: mas o que tenho entendido nesse quase meio século de vida é que é, está e sempre nos visita. E pelo sofrimento, amadureço e vivo! Que Deus abençoe todos os enlutados !

A VIDA E SUAS NUANCES

por Sara Boechat dos Reis

...a vida...

Assusta !

Emociona !

Inspira !

Quebra !

Ensina !

Refaz !

Refaz...

Refaz...

Medo, dor, saudade,

e não anestesio nada disso !

Memória, amor, saudade ...

abracei a criança que existe em mim !

Vazio, normalidade,

no reflexo, me olho com carinho...

É sobre mim e as pessoas que guardo em mim !

But, who am i?


Ilustração : "Galáctea das esferas", de Salvador Dali